NO VENTO, A LEMBRANÇA ; DOLLY E EU
Todos nós temos em algum tempo, certo tipo de relacionamento marcante com algum animal. Pode ser um animal doméstico ou até selvagem. A história da humanidade sempre nos presenteia com convivências emocionantes entre o ser humano e o inumano, porém, com características fantásticas de relacionamentos.
Muitos chegam até a afirmar que, existem mais afinidades entre as pessoas e certos animais, do que entre as próprias pessoas.
Comigo não foi diferente; embora tenha compartilhado minha infância com diversos cães e gatos, coelhos e pássaros, mas nada foi tão marcante quanto meu relacionamento com uma cadelinha que veio a se chamar Dolly!
Era o ano de 1998, uma tardesinha ensolarada em que eu cansado, retornava depois de atender meu último cliente bem próximo de casa. Mas antes de chegar, ao passar por um ponto de ônibus onde já não havia mais ninguém, me chamou a atenção um pequeno ser largado ali. Um filhote jazia coberto ainda com alguma terra e que era usado como passeio até por algumas formigas. Parei e olhei para aquele filhote morto. Achei um despropósito deixarem ali para apodrecer. Havia um terreno em frente ao ponto e como estava com uma caixa que me ocupava as duas mãos, achei melhor colocar a ponta do pé em baixo do corpo do filhote calçando-o para poder jogá-lo ao terreno. Foi quando aquela criatura gemeu levemente.
Me assustei, pois aparentemente não respirava, os olhos ainda fechados, a terra, as formigas....! Rapidamente baixei a caixa e limpei aquela criatura. Estava viva sim, era uma cadelinha abandonada ali ao sol de uma tarde de outubro.
Um mendigo próximo me observava sem eu perceber e também exclamou - "...mas está viva ainda???" Perguntou sem se levantar do meio-fio. "- sim....está" - respondi já colocando cuidadosamente seu corpinho frágil dentro da caixa.
Terminei o caminho e entrei em casa escondido das minhas duas meninas à época ainda bem pequenas.
Falei com minha mulher se achava que poderíamos tentar salvar aquele pequeno animal, pois aparentava estar quase morta. Ela até duvidou que eu conseguisse, mas concordou. Molhei uma colhersinha com leite morno e tentei alimentá-la em gotas. Foi difícil, mas estava conseguindo.
O tempo passou, as meninas, como é óbvio, adoraram a cadelinha, e acabamos lhe dando o nome de Dolly.
Eu tinha que levantar todas as noites por volta de 3 ou 4 horas da madrugada para lhe dar a "xuquinha" com leite. Passava um paninho úmido para incentivá-la a evacuar como as cadelas fazem com a língua e dar uns tapinhas até arrotar. Todos os dias durante semanas. Certo tempo depois que trouxe ela para casa, pude presenciar quando finalmente abriu os pequenos olhos e me viu pela primeira vez. Engraçado, ela tinha os olhos azulados. Lógico que depois mudaram para o tradicional canino, mas eram azuis no início.
Dolly cresceu forte e feliz. Muito atlética, muito alegre, ciumenta, possessiva, mas também carinhosa e protetora. Cresceu junto com minhas filhas. Destruiu muitos brinquedos delas, comeu um ovo de páscoa inteirinho que eu havia ganho, espantou muitos felinos, pássaros, até algumas abelhas e vespas que de vez em quando faziam seu nariz inchar pelas picadas.
Quando alguém distraia e abria o portão, lá íamos correndo pela vizinhança pra trazê-la pesadamente ao colo. Cachorra esperta, completamente desobediente. Era necessário arrastá-la quando empacava. Tinha aquela característica peculiar de "sorrir" sempre que ficava em situação embaraçosa.. Mas como qualquer canino, sempre queria estar por perto da gente.
Sua pelagem comprida farta e grossa, sempre acabava por encher sacos e sacos de aspiradores. Suas orelhas no estilo dos velhos cockers emprestavam um aspecto de cabelos ondulados e sua cor cinza, preta, e branca eram incrivelmente positivas para ficar completamente invisível se estivesse em terreno queimado.
Tinha diversas expressões no olhar. Uma delas, a de mãe que nunca foi. Porém, quando trazíamos alguma ninhada para doação das cachorras que tinhamos na fábrica, ela sempre fazia questão de ficar em cima dos filhotes completamente imóvel e babando muito. Tinha períodos estranhos também. Ficava pelos cantos chorando e ganindo baixinho sempre acompanhada de um bonequinho de minhas filhas. Parecia tratá-lo como a um filhote. Para onde fosse, levava o bonequinho e chorava baixinho.
Mas na maior parte do tempo, estava sempre em busca de movimento.
Ela cresceu junto com minhas filhas. Ficou como um aspecto positivo da família! Participou de eventos familiares, comemorou, sofreu, agitou, enfim. Dolly era uma presença constante dentro dos domínios da residência.
Tempos depois chega o "bingo", um boxer bobão com cara de mais bobão ainda, bem típico dessa raça.
Mesmo ainda filhote grande , rapidamente adotou Dolly como sua mãe e companheira. Adorava pentelha-la onde quer que fosse. Cresceu atazanando a pobre coitada que, apesar da idade, de vez em quando ainda topava as brincadeiras, embora o corpo já não respondesse como antes.
Com o passar do tempo, Dolly foi ficando mais preguiçosa, mais quieta, não se alimentava como antes, até que surgiram alguns carôços em suas mamas. Um deles porém, avançou de forma extremamente rápida. Em questão de três dias se transformou em uma bolsa enorme prestes a explodir.
Consultei o veterinário mas infelizmente não havia jeito. A única alternativa, a cirurgia, mostrou-se inviável segundo me explicou. Na idade dela, nas condições em que estava o tumor, não havia outra alternativa que não fosse o sacrifício.
Foi a única vez em que Dolly se recusou a entrar no consultório onde o veterinário já aguardava para o procedimento. Empacou na entrada. Todos os outros cães que aguardavam com seus donos pareciam assistir tristemente quietos quando peguei-a no colo e junto com meu irmão e sobrinho, levamos para a mesa.
Depois de colocada sobre ela, Dolly recebeu a primeira injeção. Ficou quieta me olhando. Abaixei-me para me despedir (sem nenhuma vergonha de admitir que não conseguia conter as lágrimas). Ela me deu diversas lambidas no rosto. Sua língua quente era como um carinho de despedida. Uma lembrança que deixaria, e deixou, quando sinto até hoje aqueles afagos caninos. De repente seus movimentos sessaram. Ficou apenas me fitando. Lembrei-me então de que fora a primeira imagem que ela vira do mundo, e estava naquele momento sendo também a última.
(...)
...hoje, uma enorme flor cresceu onde ela se encontra. Talvez os pássaros a tenham semeado sem querer, ou o vento. Uma flor até bonita, alta, esguia, cor de maravilha. Muitos conhecem por suspiro ou crista -de -galo. Até que empresta alguma beleza aquele canto do jardim.
Porém, Dolly está muito além daquele jardim. Está em algum lugar correndo como gostava de correr, saltando como gostava de saltar, e sua pelagem espessa e comprida vibrando ao sabor do vento que sempre gostou de sentir.
....ela, é agora...
...o próprio vento.
...que soprou por aqui durante 11 anos de nossas vidas!
Muitos chegam até a afirmar que, existem mais afinidades entre as pessoas e certos animais, do que entre as próprias pessoas.
Comigo não foi diferente; embora tenha compartilhado minha infância com diversos cães e gatos, coelhos e pássaros, mas nada foi tão marcante quanto meu relacionamento com uma cadelinha que veio a se chamar Dolly!
Era o ano de 1998, uma tardesinha ensolarada em que eu cansado, retornava depois de atender meu último cliente bem próximo de casa. Mas antes de chegar, ao passar por um ponto de ônibus onde já não havia mais ninguém, me chamou a atenção um pequeno ser largado ali. Um filhote jazia coberto ainda com alguma terra e que era usado como passeio até por algumas formigas. Parei e olhei para aquele filhote morto. Achei um despropósito deixarem ali para apodrecer. Havia um terreno em frente ao ponto e como estava com uma caixa que me ocupava as duas mãos, achei melhor colocar a ponta do pé em baixo do corpo do filhote calçando-o para poder jogá-lo ao terreno. Foi quando aquela criatura gemeu levemente.
Me assustei, pois aparentemente não respirava, os olhos ainda fechados, a terra, as formigas....! Rapidamente baixei a caixa e limpei aquela criatura. Estava viva sim, era uma cadelinha abandonada ali ao sol de uma tarde de outubro.
Um mendigo próximo me observava sem eu perceber e também exclamou - "...mas está viva ainda???" Perguntou sem se levantar do meio-fio. "- sim....está" - respondi já colocando cuidadosamente seu corpinho frágil dentro da caixa.
Terminei o caminho e entrei em casa escondido das minhas duas meninas à época ainda bem pequenas.
Falei com minha mulher se achava que poderíamos tentar salvar aquele pequeno animal, pois aparentava estar quase morta. Ela até duvidou que eu conseguisse, mas concordou. Molhei uma colhersinha com leite morno e tentei alimentá-la em gotas. Foi difícil, mas estava conseguindo.
O tempo passou, as meninas, como é óbvio, adoraram a cadelinha, e acabamos lhe dando o nome de Dolly.
Eu tinha que levantar todas as noites por volta de 3 ou 4 horas da madrugada para lhe dar a "xuquinha" com leite. Passava um paninho úmido para incentivá-la a evacuar como as cadelas fazem com a língua e dar uns tapinhas até arrotar. Todos os dias durante semanas. Certo tempo depois que trouxe ela para casa, pude presenciar quando finalmente abriu os pequenos olhos e me viu pela primeira vez. Engraçado, ela tinha os olhos azulados. Lógico que depois mudaram para o tradicional canino, mas eram azuis no início.
Dolly cresceu forte e feliz. Muito atlética, muito alegre, ciumenta, possessiva, mas também carinhosa e protetora. Cresceu junto com minhas filhas. Destruiu muitos brinquedos delas, comeu um ovo de páscoa inteirinho que eu havia ganho, espantou muitos felinos, pássaros, até algumas abelhas e vespas que de vez em quando faziam seu nariz inchar pelas picadas.
Quando alguém distraia e abria o portão, lá íamos correndo pela vizinhança pra trazê-la pesadamente ao colo. Cachorra esperta, completamente desobediente. Era necessário arrastá-la quando empacava. Tinha aquela característica peculiar de "sorrir" sempre que ficava em situação embaraçosa.. Mas como qualquer canino, sempre queria estar por perto da gente.
Sua pelagem comprida farta e grossa, sempre acabava por encher sacos e sacos de aspiradores. Suas orelhas no estilo dos velhos cockers emprestavam um aspecto de cabelos ondulados e sua cor cinza, preta, e branca eram incrivelmente positivas para ficar completamente invisível se estivesse em terreno queimado.
Tinha diversas expressões no olhar. Uma delas, a de mãe que nunca foi. Porém, quando trazíamos alguma ninhada para doação das cachorras que tinhamos na fábrica, ela sempre fazia questão de ficar em cima dos filhotes completamente imóvel e babando muito. Tinha períodos estranhos também. Ficava pelos cantos chorando e ganindo baixinho sempre acompanhada de um bonequinho de minhas filhas. Parecia tratá-lo como a um filhote. Para onde fosse, levava o bonequinho e chorava baixinho.
Mas na maior parte do tempo, estava sempre em busca de movimento.
Ela cresceu junto com minhas filhas. Ficou como um aspecto positivo da família! Participou de eventos familiares, comemorou, sofreu, agitou, enfim. Dolly era uma presença constante dentro dos domínios da residência.
Tempos depois chega o "bingo", um boxer bobão com cara de mais bobão ainda, bem típico dessa raça.
Mesmo ainda filhote grande , rapidamente adotou Dolly como sua mãe e companheira. Adorava pentelha-la onde quer que fosse. Cresceu atazanando a pobre coitada que, apesar da idade, de vez em quando ainda topava as brincadeiras, embora o corpo já não respondesse como antes.
Com o passar do tempo, Dolly foi ficando mais preguiçosa, mais quieta, não se alimentava como antes, até que surgiram alguns carôços em suas mamas. Um deles porém, avançou de forma extremamente rápida. Em questão de três dias se transformou em uma bolsa enorme prestes a explodir.
Consultei o veterinário mas infelizmente não havia jeito. A única alternativa, a cirurgia, mostrou-se inviável segundo me explicou. Na idade dela, nas condições em que estava o tumor, não havia outra alternativa que não fosse o sacrifício.
Foi a única vez em que Dolly se recusou a entrar no consultório onde o veterinário já aguardava para o procedimento. Empacou na entrada. Todos os outros cães que aguardavam com seus donos pareciam assistir tristemente quietos quando peguei-a no colo e junto com meu irmão e sobrinho, levamos para a mesa.
Depois de colocada sobre ela, Dolly recebeu a primeira injeção. Ficou quieta me olhando. Abaixei-me para me despedir (sem nenhuma vergonha de admitir que não conseguia conter as lágrimas). Ela me deu diversas lambidas no rosto. Sua língua quente era como um carinho de despedida. Uma lembrança que deixaria, e deixou, quando sinto até hoje aqueles afagos caninos. De repente seus movimentos sessaram. Ficou apenas me fitando. Lembrei-me então de que fora a primeira imagem que ela vira do mundo, e estava naquele momento sendo também a última.
(...)
...hoje, uma enorme flor cresceu onde ela se encontra. Talvez os pássaros a tenham semeado sem querer, ou o vento. Uma flor até bonita, alta, esguia, cor de maravilha. Muitos conhecem por suspiro ou crista -de -galo. Até que empresta alguma beleza aquele canto do jardim.
Porém, Dolly está muito além daquele jardim. Está em algum lugar correndo como gostava de correr, saltando como gostava de saltar, e sua pelagem espessa e comprida vibrando ao sabor do vento que sempre gostou de sentir.
....ela, é agora...
...o próprio vento.
...que soprou por aqui durante 11 anos de nossas vidas!
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