VOLTA PRA CHUVA MENINO

É engraçado como com o passar do tempo vamos nos esquecendo de certas sensações; certos sentidos sobre o que nos cerca tão gratuitamente. Ainda aprecio um belo por-do-sol, o vento, mas negligenciei gradativamente a deliciosa sensação de um banho de chuva.  Já tomei inúmeros. Principalmente de moto e sem capacete. Daqueles banhos de encharcar até a alma. Como gostava de sentir o vento e a chuva açoitando minha face; a roupa grudando no corpo, as cuspidas aguadas a cada parada no trânsito. Muita gente naquela época olhava com dó. Eu lá, todo feliz!!!  ...e molhado que nem um pinto!!

Me lembro de um último banho que tomei no meio de uma mata....estava sozinho. Ninguém pra controlar. Senti os pingos grossos começando. A princípio me refugiei debaixo de umas árvores, mas as gotas vinham em abundância. Viraram rapidamente verdadeiras cascatas acumuladas pelas folhagens. O jeito foi fechar os olhos, tirar a camiseta e levantar os braços. Ouvir o baque das gotas nas folhagens secas do chão, o cheiro da terra umedecida, o silêncio dos pássaros e o maravilhoso sentido de ser o único. Durou cerca de 10 ou 15 minutos até que os raios solares devolveram as cores ao ambiente. Tudo parece ter sido limpo. Tudo sorria ao meu redor. As aves chacoalhando, o vento ainda prolongando mais um pouco a chuva que agora despencava apenas das copas. Fiquei ali absorto tentando incluir aquilo tudo na alma. Lembro que guardei comigo cada impressão que pude. Os cheiros, os ruídos, até a falta deles em alguns momentos. Não queria mais sair...subir o morro...voltar pra casa....aquela parecia ser a minha casa. Mas assim como tantos momentos íntimos de nós mesmos, temos que voltar ao mundo sem graça.  Artificialmente condicionado para nos transportar ao que nunca deveríamos ser.

Quando somos crianças ouvimos sempre a mesma coisa "_ sai da chuva menino-"...  De vez em quando é bom deixarmos nossos meninos interiores nos mostrar o que deixamos para trás.

Hoje, a chuva até incomoda. É mais fria...mas ríspida, agressiva até. Não mais acaricia. Talvez porque tenhamos perdido aquela amizade tão gratificante com essas forças.

Ficam apenas as lembranças das carreiras debaixo de água...dos beijos trocados enquanto tamborilavam gotas pela face. Dos braços e peito literalmente queimados pela incessante chuva de vento contra na estrada de moto obrigando a sucessivas paradas para aliviar a dor...!

Do sorriso da pequena menina rodando nos meus braços e sorrindo para o céu que debulhava suas lágrimas de intensa emoção por mais um ser que renovaria a apreciação quando eu já não mais pudesse.

Acho que vou me ater mais a esse quesito tão desprezado. Aproveitando que se aproxima a época das chuvas, talvez eu volte a encarnar aquele menino. Aquele rapaz agora num homem que volta a tentar reatar uma velha amizade.

Afinal de contas...

...o que ainda não me matou, também nunca me engordou...

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